Eu acho que não. Imagino – espero – que algum possível leitor do meu blog também ache que não.
Mas cada vez acho mais que quase toda a gente acha que sim.
Os meus anos de observação do caos vulgarmente chamado “humanidade” leva-me a constatar o seguinte: que as pessoas se dividem entre as que acham o sexo porco, e isso as enoja, e as que acham o sexo porco, e isso as excita.
O segundo caso é provavelmente óbvio; são as pessoas para quem o sexo não passa de prazer físico (ou mesmo somente um “descarregar”), idealmente em situações ilícitas, e a fazer coisas que “não se pode pedir à namorada / mulher”. O sexo é em geral feito “a la filme porno”, isto é, não só está completamente desprovido de algum tipo de carinho ou preocupação com o prazer da outra pessoa, como além disso não envolve qualquer contacto físico excepto o dos orgãos genitais. É o caso típico do homem de bigode de meia idade, que possivelmente trabalha a conduzir algum tipo de veículo 🙂 , para quem a mulher é para cuidar da casa e dos filhos, e que, em geral, paga pelo sexo que tem. Uma versão diferente é o tipo mais novo, que tem boa aparência suficiente (e há mulheres com suficiente falta de auto-estima) para não ter de pagar. São os que acham que “há aí alguma gaja boa?” é uma óptima forma de entrar num chat, e “és muita boa, f*dia-te toda” é a maneira ideal de meter conversa num site de social networking. E, claro, há versões femininas disto tudo.
Mas o primeiro caso pode não ser tão óbvio. Refiro-me (e já sei que vai haver quem me insulte pelo post – ou então ninguém lê isto… não sei o que será pior 😛 ) a quem acha que “sexo só depois do casamento”, ou “sexo só numa relação”, ou “sexo só com amor”. Isto é considerado o ideal de moralidade neste aspecto; mesmo quem não age realmente assim, muitas vezes finge fazê-lo ao falar com quem ainda não conhece bem, com quem ainda não confia; só depois de vir a confiança é que se admite, de forma embaraçada, que ocasionalmente se tem sexo sem uma relação ou sentimentos, apenas por prazer. E porquê essa ideia, essa vergonha, esse embaraço? Porque subscrevem a mesma moralidade dos do parágrafo acima, uma moralidade em grande parte vinda de quase 2000 anos de domínio religioso da mesma, e que afecta inevitavelmente o zeitgeist moral da sociedade, mesmo nos casos de quem não tem qualquer crença religiosa. Subscrevem a ideia de que o sexo é porco, que é imoral, que nos reduz – excepto em determinadas condições. Neste caso, casamentos, relacionamentos, ou simplesmente um sentimento forte em relação à outra pessoa. Ou seja, o sexo por si só não é moralmente positivo (porque “é porco”, afinal), mas nesses contextos passa a ser aceitável; o “porco” fica atenuado. Resumindo: o sexo tem de ser justificado. Não é moral, não é válido por si só. Precisa de uma justificação externa.
Ora, uma coisa boa, agradável, bonita, e que não faz mal a ninguém, não precisa de justificação externa.
Não precisas de justificar porque é que comes algo que te sabe bem, ou dormes quando tens sono, ou conversas com amigos cuja companhia aprecias, ou vês um filme ou série de que gostas, ou ouves uma música que é especial para ti e te toca na alma. Não precisas de justificar nada disso; aliás, só a ideia em si já é absurda. Para quê justificar? É bom! É agradável! Faz-te sentir bem! Não te faz mal a ti, nem a ninguém!
Uma coisa só precisa de justificação se for, por alguma razão, um “mal necessário”; ou seja, é algo desagradável, ou aparentemente mau de alguma forma, mas há uma razão mais forte para o fazer – uma justificação. Tal coisa não é precisa para algo que já é bom à partida: isto é, por definição, auto-justificado.
“Sexo é porco, que nojo” ou “sexo é porco, que fixe”? Tal como em qualquer falsa dicotomia, há uma terceira e menos óbvia hipótese: que o sexo não é, de todo, porco. É algo bom, natural, agradável, saudável e bonito, que não reduz nem “suja” quem o faz, e que, sendo feito consensualmente entre adultos, não pode – independentemente de qualquer detalhe como “há quanto tempo se conhecem”, “preferências sexuais”, “posições”, relação (ou falta dela) entre as pessoas, número de pessoas :), etc. – ser imoral. Ou errado. Ou “porco”.